Deus se torna criança
Um caminho de graça e de verdade
Valdir Steuernagel
Anjos, pastores, magos e até Herodes
Eu tenho, entre as minhas fotos, um dos netos recém-nascidos em meus braços. Fotos assim reavivam a nossa memória e são um marco em nossa vida. Álbuns de nascimento podem ser extensos e cheios de detalhes: a mãe grávida entrando na maternidade, o primeiro aconchego no seio, o pai com o recém-nascido nos braços e sorrindo com as interpretações --- a boca da mãe, a testa do pai, os olhos da avó...
Imagine Maria tentando montar um book fotográfico do nascimento de Jesus. “Impossível” -- ela exclamaria. Como colocar num mesmo álbum os sinais e experiências que marcaram aquele dia? Senão, vejamos. O primeiro registro fala de um parto caseiro, e então a mãe “envolve o bebê em panos e coloca-o numa manjedoura” (Lc 2.7). Logo a seguir temos anjos cantando e anunciando um nascimento tão misterioso quanto real. Ao ouvi-los, os pastores de ovelhas saem correndo em busca da criança anunciada e fazem aquela balbúrdia em volta do recém-nascido. O quadro que temos é o de uma manjedoura, uma mãe embasbacada, um pai desnorteado e um bando de homens sujos e suados dizendo que os anjos lhes anunciaram a natureza especial do menino: “Hoje, na cidade de Davi, lhes nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor” (Lc 2.11).
Para completar o cenário, o evangelista Mateus ainda coloca uns magos nessa história. Isso deve ter acontecido algumas semanas mais tarde, pois o texto fala de “uma casa” onde a mãe está com o menino (Mt 2.11). Se já não foi fácil entender a presença dos alvoroçados pastores falando em anjos, agora, ao ver esses magos se aproximarem da sua provisória casa, Maria perde o chão. E mais intrigada fica ao vê-los entregando presentes aos quais não estava habituada e adorando o bebê que ela segurava nos braços.
Esse texto fascinante e intenso leva-nos a perguntar o que faria alguns magos se deslocarem do distante Oriente para um pequeno povoado chamado Belém e, ao buscarem encontrar a realidade de uma misteriosa revelação, adorarem um bebê no colo de uma mãe assustada e um pai estupefato. O mais fascinante, porém, é que quem estava nos braços de Maria era Deus. O Deus menino que já fora anunciado, no passado, pelo profeta Isaías: “Porque um menino nos nasceu, um filho nos foi dado, e o governo está sobre os seus ombros. E ele será chamado Maravilhoso Conselheiro, Deus Poderoso, Pai Eterno, Príncipe da Paz” (Is 9.6).
Mas, para completar este álbum, ainda faltam algumas fotos perturbadoras. Pois, assim como Jerusalém inteira, quem ficou mais perturbado com esse nascimento foi o rei Herodes, que era o representante do Império Romano sobre Israel. Buscado pelos magos, ele pediu conselho aos sacerdotes e mestres da lei e orientou os magos a seguirem até Belém. Após encontrarem, adorarem e presentearem o menino, Herodes disse a eles que faria o mesmo. Em vez disso, porém, mandou para lá os seus soldados, que, seguindo as ordens de um rei assassino, acabaram com a vida de todos os meninos pequenos da região, deixando as mães desesperadas e todo mundo perplexo.
Deus nasce menino!
É difícil não perguntar: Que menino é esse?
Que menino é esse que “nasce a caminho” e tem por berço uma manjedoura? Que menino é esse cujo nascimento é anunciado por anjos e diante de quem rudes pastores dobram os joelhos? Que menino é esse cuja vinda é anunciada lá longe por uma misteriosa estrela? Em consequência, uns magos põem-se a caminho e acabam ajoelhados diante de um bebê cuja mãe, de tão surpresa, aprendeu a “guardar as coisas no coração”. Que menino é esse cujo anúncio perturba uma cidade, deixa as autoridades religiosas em polvorosa e um ditador acuado a ponto de provocar uma chacina infantil? Que menino é esse cujo nascimento provoca, nas palavras de Leonardo Boff, uma “comoção cósmica”, descrita num texto da liturgia cristã? “Então as folhas que farfalhavam, pararam como mortas; então o vento que sussurrava, ficou parado no ar; então o galo que cantava, parou no meio de seu canto; então as águas do riacho que corriam, se estancaram; então as ovelhas que pastavam, ficaram imóveis; então o pastor que erguia o cajado, ficou como que petrificado; então nesse momento, tudo parou, tudo silenciou, tudo suspendeu o seu curso: nasceu Jesus, o Salvador das gentes e do universo.”1
A pergunta mais importante não é “Que menino é esse?”, mas sim “Que Deus é esse que se faz menino e a todos nós surpreende?”. Pois, como diz Boff,
Todo menino quer ser homem.
Todo homem quer ser rei.
Todo rei quer ser Deus.
Só Deus quis ser menino.
Humano assim como Jesus, só Deus mesmo.2
E a Palavra se fez carne
“A Palavra tornou-se carne e sangue, e veio viver perto de nós. Nós vimos a glória com nossos olhos, uma glória única: O Filho é como o Pai, sempre generoso, autêntico do início ao fim” (Jo 1.14, AM).
Deus ter se revelado em forma humana é um verdadeiro milagre de amor e de salvação. É algo que não existe em nossa história marcada pela busca de poder, reconhecimento e aceitação. Os deuses que fabricamos são sempre distantes e requerem esforços e sacrifícios para chegarmos a eles. Mas na fé cristã é diferente: Deus toma a iniciativa de vir ao nosso encontro, e vem de maneira tão profunda e radical que cabe no ventre de Maria, numa simples manjedoura e, enfim, numa cruz. Deus se torna menino!
Fonte: Ultimato
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